Sei que por vezes fazemos planos de coisas que jamais se realizarão e, por isso, hoje, abrindo um novo capítulo de vida, decido não mais fazer planos que nunca terei coragem ou vontade de realizar.
Abro e faço as malas que, debaixo da tu cama foram ganhando pó e perdendo importância. Devagar, porque é assim que quero centrar-me no que faço: devagar, com muita calma e muito poderadamente para depois não me arrepender.
Dando uma olhadela no nosso passado apercebo-me que nem tudo foi em vão. Souberam bem algumas demoras e esperas, algumas surpresas e algumas piadas. Souberam bem muitos beijos e alguns por-do-sol, muitas luas e manhãs do teu lado, muitas palavras ditas na hora certa e muitos gestos que já se começam a dissipar na minha memória. Restam-me ainda demasiados dissabores e esperas prolongadas e dolorosas na memória afectiva, muitos actos e palavras agressivas ditas na hora errada (se é que existem horas certas para isso)... Muitos espinhos de ti e dos outros a quem tu permitias, por os tomares como amigos, falar daquela que eu fui para ti...
Amei-te todos aqueles dias, mesmo nos dias de tortura, mesmo nos dias de chuva, mesmo nos dias de sol, muito mais ainda nos dias de solidão, um pouco menos nos dias de discussão garantida e nos de esperas prolongadas, mas, feitas as contas, suponho que o meu amor por ti ainda tenha algum saldo positivo.
Nem sempre te amei de forma desigual; lembro-me vagamente que houve uma altura em que te amava como toda a dor que em mim existia, durante todo o dia, dias a fio, até começar a perder a confiança em ti. Aliás (!) "até perder a confiança em ti".
Nem sempre a culpa foi tua e nem sempre a culpa foi minha, foi também daqueles a quem tu permitias entrada livre na nossa relação, uma relação que, por a mim também dizer respeito, fazia parte da minha vida particular e que, por isso mesmo, não podia sob nenhuma circunstância ser violada e invadida da maneira que foi.
Vou fazendo as malas à medida que penso no nosso projecto falido, relação fracassada desde o ponto de partida. As imagens surgem de forma aleatória e a nossa história vai-me passando em filme pela mente em sequências ilógicas de prolepses e analepses, como se alguém ainda estivesse a encaixar os frames para fazer desta uma história menos falhada e mais bonita sem ter muito êxito na operação. De vez em quando uma lágrima ainda ameaça, mas não corre, não as deixo cair, não me parece que alguma vez tu tenhas valido uma só que fosse de todas as que eu já, por ti e por tua causa, chorei. Em vez disso concentro-me em dobrar a roupa da melhor maneira para que caiba direitinha dentro da mala, sem que sobre espaço para guardar as recordações que de ti e de nós não quero, nem preciso manter.
Está na hora...
Abro a porta e olho para atrás para ver se não deixo nada que seja meu e só meu, adquirido mesmo antes de te conhecer.
Fecho a porta, deixando atrás de mim tudo o que um dia foi nosso sem esperar voltar.
Deixo a cama a arrefecer do nosso amor que, num dia qualquer já perdido nos meandros da minha mente, inundou o mundo que conseguimos erguer à nossa volta, mas que ruiu por falta de paciência, entendimento e carinho.
Corre-me uma lágrima até baixo sem que eu tenha sequer vontade de a impedir, mas essa é apenas a lei da gravidade...
31-Maio-2005
2:26 Am
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